Fred Ghedini, jornalista há pouco mais de 30 anos e formado pela ECA-USP, foi presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo por duas gestões, de 2000 a 2006. Hoje é tesoureiro da Apijor, e editor do Portal do Autor, comunidade de jornalistas conscientes de seus direitos autorais.Retrô: Gostaríamos que esclarecesse sobre a possível extinção da Lei de Imprensa. Sabemos que a Lei em vigor nos dias de hoje foi instaurada no ano de 1967, tendo 20 dos 77 artigos derrubados em 2001. É natural que, como estudantes de jornalismo e futuros praticantes da profissão, tenhamos receios do que pode ser alterado.
Fred: Quais os receios de vocês?
Retrô: O direito de resposta pode talvez tirar o jornalista a sua função de informar a sociedade. Dar a pessoas não formadas o direito da escrita em veículos de informação pode acarretar em uma perda da essência do jornalista.Fred: É importante frisar que o direito de resposta está na Constituição Brasileira, no artigo 5º, da Liberdade de Garantia Individuais e Fundamentais. Sendo esse um direito para a parte ofendida, nada tem a ver com a regulamentação da profissão, que fixa a exigência da formação específica em jornalismo. São leis distintas, ambas da época da Ditadura, mas com sentidos opostos.
Digo isso porque a Lei de Imprensa tem artigos que nitidamente censuravam a imprensa e o trabalho jornalístico, principalmente naquilo que os militares entendiam como sendo a ameaça à Segurança Nacional. Então, como era um regime ditatorial militar, os jornais podiam ser submetidos à censura – como foram –, e costumavam, no lugar de matérias censuradas, publicar receitas de bolo, poemas de Camões, para indicar que aquele artigo havia sido censurado. Os jornais chamados alternativos chegavam a ser integralmente vetados.
Havia uma censura naquela época baseada na Lei 5.250, a Lei de Imprensa, e os artigos eram relacionados à chamada Segurança Nacional. Portanto, tudo aquilo que dizia respeito ao Governo, podia ser interpretado como atentado a Segurança Nacional; esse é o aspecto essencialmente ditatorial e sem sódio da Lei de Imprensa.
No entanto, ela tem artigos que defendem a parte ofendida naquilo que diz respeito ao direito de resposta. No código civil, o direito de resposta não está configurado como tramitação rápida e imediata, como a lei específica da Lei de Imprensa. Essa é uma das questões que faz com que os jornalistas brasileiros defendam uma Lei de Imprensa específica porque o direito de resposta tem que ter um trâmite rápido. Se uma parte ofendida em um artigo, com acusação de algo não verdadeiro, não pode esperar o decorrer normal da justiça, que pode levar meses ou anos, para que a resposta seja publicada; a ofensa a essa altura já seria consolidada na mente das pessoas que tiveram contato com a informação.
Por essa razão, acredito que o direito de resposta deva possuir-se de tramitação acelerada, para que em poucos dias depois, ou no dia seguinte, a parte ofendida possa justificar-se e a informação não verdadeira não seja fixada, valendo como verdadeira. Esse é, essencialmente, o problema do direito de resposta, e por isso achamos que tem que haver regulamentação para isso, ou a sentença cabe a cada juiz e o direito de resposta não existirá.
Retrô: E o que tem a nos dizer sobre aqueles que exercem a profissão, sem formação de jornalista?
Fred: Temos atualmente mais de 13.000 registros precários de jornalistas, da época em que valeu a decisão da juíza Carla Rister, onde decretou que a formação do jornalista não era mais necessária. Esse processo resultou, então, em um julgamento que começou no Supremo Tribunal Federal no dia 1º de abril desse ano, e a continuação aconteceu dia 22 abril.
Em 2001, essa decisão permitiu que os interessados pudessem ir a Delegacias Regionais do Trabalho e tirar um registro precário e provisório.
Retrô: E você era presidente do Sindicato nessa época?
Fred: Sim. Inclusive foi o Sindicato, juntamente à Fenaj, que entrou com recursos contra essa decisão. Essa luta continua. No site das duas instituições podem ser observadas manifestações e também existe campanha nacional em defesa da exigência da formação específica.
Retrô: Você acredita que esses jornalistas de formação precária podem trazer irregularidades aos veículos, já que não tem orientação nem formação da profissão?
Fred: Eventualmente. Podem escrever inverdades e aí entra a importância do direito de resposta. O direito de resposta não fere o trabalho jornalístico, muito pelo contrario. Se observarmos o projeto da nova Lei de Imprensa, é estabelecido claramente a obrigatoriedade do jornalista de cobrir o contraditório, nas suas várias manifestações. Isso tem a ver com a liberdade de expressão de toda a população e qualquer cidadão porque se não se cobre o contraditório, a parte prejudicada tem sua liberdade de expressão podada. Na verdade a exigência de um jornalismo bem feito e da aplicação do código de ética ou até de uma Lei de Imprensa específica razoável e bem feita, vai delimitar claramente aquilo que é obrigação do jornalista: cobrir o contraditório e todas as posições sobre determinados assuntos de interesse público possam se manifestar, e dessa forma se garante a liberdade de expressão. De outra forma, a liberdade de expressão também se manifesta nas páginas de opinião, nas cartas e nas matérias em que pessoas são entrevistadas. É uma impossibilidade física acreditarmos no absurdo de que todos teriam seu espaço para escrever nos jornais.
Necessariamente tem que haver uma organização da manifestação dos assuntos públicos de importância, como acontece nos meios de comunicação. É preciso que haja um espaço onde os assuntos públicos se organizem. O dia em que todos tiverem seu meio de comunicação, não há comunicação pública organizada - todos estarão cobrindo a todos simultaneamente, consultando todos os blogs brasileiros, como os assuntos públicos são tratados em algum espaço, pode ser considerado uma "praça pública midiática", digamos assim.
Retrô: A Revista Imprensa publicou recentemente uma reportagem com o título “Blogueiro não é jornalista”
Fred: Evidentemente, o blogueiro que escreve sobre receitas de bolo não é jornalista. Para ser jornalismo, o assunto tem que ser de interesse público, ter atualidade e informação checada. Sem essas características, claramente os milhões de blogueiros da atualidade não são jornalistas. A manifestação do pensamento e a liberdade de expressão diferem dessas características. Essa confusão interessa particularmente a algumas empresas proprietárias de veículos, porque com isso desorganizam a produção do conteúdo jornalístico e tornam mais permeável a manifestação dos interesses da empresa dentro desse material. O blogueiro tem seu direito de expressar, enquanto o jornalista tem a obrigação de informar com veracidade.
Retrô: Existem milhares de jornalistas praticantes que não tem o diploma. Afinal, qual a importância da formação em jornalismo?
Fred: Acho a formação fundamental para que saibam e conheçam o que é de fato o jornalismo. O jornalismo, no meu entender, existe para satisfazer o direito do cidadão à informação. Para exercer esse papel importante, é necessária uma preparação. Digo para vocês que este não é um aprendizado simples, como por exemplo a prática de checar informações. Essa prática não está em todos os blogueiros. Precisa-se aplicar algumas rotinas de checagem antes de publicar; a tendência da Internet é de justamente seguir o caminho contrário. Mas, para que o jornalismo torne-se crível, as pessoas que têm acesso e usufruem daquele material têm que ter a certeza de que aquilo foi cuidadosamente checado, verificado e devidamente concluído. O Twitter, que veio com força nos últimos tempos, trazendo a prática do mini-blogging, não tem credibilidade como outros veículos. O Twitter não é uma mídia jornalística, é uma mídia para qualquer pessoa. Mídias jornalísticas são aqueles espaços em que você pode confiar na informação, e podemos observar que as novas mídias e novas variações estão ressaltando a necessidade de ter informação com credibilidade. E cada vez mais, isso vai tornar-se importante.
Pode ocorrer de o jornalismo ser vítima dessa infidelidade aos fatos e às opiniões, se não souber, no momento em que vivemos de quebra de paradigmas, como firmar sua marca de credibilidade. No momento, a necessidade da informação torna-se muito mais evidente, e cabe aos jornalistas divulgarem isso e mostrarem as suas necessidades e a que vieram. Acredito que o jornalismo, se mantiver seus princípios básicos, conseguirá sobreviver e se mostrar necessário como espaço público, onde pelo menos uma parcela considerável das pessoas possa acreditar.
Há uma democratização dos acessos a informação e do direito a expressão – a Internet manifesta isso -, há também a necessidade de reorganização dos espaços onde se concentra a grande massa de informação.
Retrô: Você acredita que o jornalismo pode perder importância, com essa grande massa de informação e, com a Internet, uma grande massa de veículos disposta a armazená-los?Fred: Acredito que o jornalismo será cada vez mais necessário. Como há uma multiplicação na quantidade de informação, basta saber se haverão profissionais e veículos suficientemente capazes e orientados para analisar e publicar cada noticia. No Brasil, diferente dos EUA, os veículos impressos ainda têm resistência.
Retrô: Atualmente temos a necessidade da rapidez da informação. Com essa exigência, você não acha que possa haver jornalistas que não checarão a informação?
Fred: Essa é uma tensão permanente. Não pode deixar de checar a informação. Esse é o divisor de águas. Os veículos jornalísticos têm que checar informação. É perigoso fazer afirmações sem que saibamos investigar todos os lados da história. O jornalismo de hoje é muito baseado em fontes oficiais, sem que haja checagem do restante dos fatos e fontes.
Retrô: E qual sua posição sobre a relação entre jornalismo e publicidade?Fred: Esse é um ponto que ninguém discute. É difícil discutir o financiamento do jornalismo. Mas digo que estou cada vez mais convencido de que o jornalismo deve ser financiado por dinheiro público. Podem me chamar de louco, mas acredito que só assim o jornalismo terá caráter de serviço público, consolidando-se dessa maneira. A Suécia há poucos anos teve investimento do Governo a alguns veículos, para que estes não fossem fechados; o atual presidente da França, Sarkozy, reforçou o caixa das empresas jornalísticas.
Os jornais são de fato financiados pelo público, mas a finalização é privada. Sendo o jornalismo financiado pela publicidade, então a liberdade de imprensa torna-se liberdade de empresa, com limites ainda mais estreitos.
Retrô: Qual a sua posição com relação à nova Lei de Imprensa?Fred: Nós somos a favor de uma nova Lei de Imprensa, pois o Código Civil e o Código Penal simplesmente não regulam esse direito. Somos a favor de uma formação específica, da exigência dessa formação para exercício da profissão. Somos a favor da Lei de Imprensa que garanta a autonomia de trabalho para o jornalista.
(Andrea Dominguez e Isabela Gregório)